sexta-feira, 1 de julho de 2011

Massacre do Corumbiara ganha destaque em audiência na CCJ


Massacre do Corumbiara ganha destaque em audiência na CCJImprimirE-mail
No dia 27 de maio de 2011, Adelino Ramos foi executado na cidade de Vista Alegre do Abunã (RO), ao que tudo indica, em represália por denunciar a extração ilegal de madeira na região. Adelino era lavrador, líder do Movimento Camponês Corumbiara (MCC), e sobrevivente do Massacre dos Corumbiara, um dos piores episódios na história do país de crime por terra.
O assassinato de Adelino foi o último de uma semana marcada por crimes no campo. No dia 24, foi morto em uma emboscada o casal de castanheiros José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, em Nova Ipixuna (PA), que também lutavam em favor do meio ambiente, e no dia 25, foi encontrado o corpo de Herenilton Pereira, morador do mesmo assentamento.
As tragédias recentes reacenderam o debate sobre reforma agrária e provocaram a reação de parlamentares em busca de uma resposta do Legislativo aos conflitos do campo e à impunidade dos crimes contra trabalhadores rurais, especialmente nos Estados do Pará e Rondônia. Com esse espírito foi realizado na tarde do dia 28, audiência pública conjunta das comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), no Plenário 1 da Câmara dos Deputados, em Brasília.
Conforme pontuado pelo deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), presidente da CCJC e mediador da primeira parte da audiência, é imprescindível que o “governo enfrente” este debate. “O Brasil já convive há muitos anos com a morte no campo. Então, este debate serve um pouco para provocar a gente no íntimo. Mas, que dessa provocação surjam iniciativas e medidas no tamanho da nossa ação e responsabilidade para uma reação", disse o deputado.
“Vi meu pai deitado naquela maca, com buracos pelo corpo”
Entre os convidados para a audiência, estavam o desembargador Gercino Silva, Ouvidor Agrário Nacional; Gabriel Wedy, presidente da Associação dos Juízes federais do Brasil (AJUFE); Marcelo Nascimento Bessa, Secretário de Estado de Segurança, Defesa e Cidadania de Rondônia; Dom Ladislau Biernaski, representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT); Francisco Batista da Silva, representante do Movimento Camponês de Corumbiarar; e Glauceli Ramos, filha de Adelino Ramos, o líder assassinado recentemente, que, prestou um emocionado depoimento. “Hoje tenho a oportunidade de falar do meu pai. Fui a primeira pessoa da família a entrar no IML de Porto Velho (RO) e vi meu pai deitado naquela maca, com buracos pelo corpo, sendo que a única coisa que ele fez na vida foi lutar por justiça e por um direito não só nosso, mas de todo trabalhador”, disse, emocionada.
Há um mês e um dia do falecimento do pai, Glauceli contou outro motivo de tristeza na vida da família: a ausência do irmão Claudemir Gilberto Ramos, o único condenado sobrevivente pelos fatos ocorridos na madrugada de 9 de agosto de 1995, quando ao menos 12 sem-terra foram mortos por policiais militares e pistoleiros na Fazenda Santa Elina. “Meu irmão é um foragido não da Justiça, mas da injustiça. E agora, meu pai foi assassinado cumprindo um dever do Estado, denunciando a ilegalidade”, disse. “Se a reforma agrária é a terra nas mãos de quem por ela trabalha, afirmo que foi por isso que meu pai e meu irmão lutaram”, completou.
CORUMBIARA - A HISTÓRIA
A ocupação da Fazenda Santa Elina, localizada no município de Corumbiara (RO), foi um dos 440 conflitos por terra que ocorreram no Brasil em 1995. No dia 14 de julho, centenas de famílias de trabalhadores rurais sem terra ocuparam uma pequena parte dos 20 mil hectares da Fazenda, por se tratar aquela, uma área não regularizada e, em grande parte, improdutiva.
Na madrugada do dia 09 de agosto, 194 policiais e jagunços fortemente armados cercaram o acampamento e deram início àquele que seria um dos episódios mais tristes da luta pela terra no Brasil: “O Massacre do Corumbiara”. Tiros e bombas de gás foram utilizadas por militares e jagunços contra uma multidão de quase 400 pessoas, incluindo mulheres e crianças. Entre os sem terra mortos estava Vanessa, de apenas seis anos de idade.
A forma como a justiça do Estado cumpriu o mandato de reintegração de posse chocou o país pela violência. O processo transitou em julgado em 15 de maio de 2005 e transferiu para as vítimas a responsabilidade por um dos piores massacres do país. Dentre os responsáveis, está Claudemir Gilberto Ramos, filho de Adelino e irmão de Glauceli. “Eu apelo aos senhores parlamentares para que o Claudemir não seja mais uma das vítimas assassinadas e esquecidas. Peço que seja revisto o caso dele, porquê aquele julgamento foi um teatro”, disse Glauceli.
Deputado João Paulo pede resposta do Legislativo e Executivo
O deputado João Paulo, que acompanha o Movimento Camponês Corumbiara e, desde 2001, participa do Ato em Solidariedade às Vitimas do Massacre de Corumbiara no Município de Osasco (SP), concordou com Glauceli e, na audiência, alertou veemente: “Temos um trabalhador vivendo clandestinamente no Brasil”.
João Paulo considerou o episódio “gritante para a justiça do país”, e disse ser injusta a condenação de Claudemir Gilberto Ramos (oito anos e seis meses de reclusão). “Por isso que, na época, a OEA (Organização dos Estados Americanos) se manifestou, dizendo que o julgamento foi viciado”, disse.
No dia 25 de fevereiro de 2008, o deputado e autoridades do estado de Rondônia solicitaram junto ao Tribunal de Justiça de Rondônia a revisão processual do julgamento. “Dói ver assassinatos sob o nosso governo e não é só como Estado, mas como pessoa, como cidadão. Às vezes, a vontade é de ir até lá, arrancar o problema e resolver com a mão!”, disse.
O deputado pediu aos colegas parlamentares e membros do Executivo empenho na aprovação de propostas em defesa destas e outras comunidades, à margem da sociedade. Como por exemplo, a proposta de emenda a Constituição (438), referente ao trabalho escravo. “Eu acho que deveríamos, deputada Manoela (autora do pedido da audiência, junto com o deputado Luiz Couto - PT-PB), formalizar as intervenções, opiniões e dados levantados nesta audiência, e mesmo com nossa impotência, levar isto à frente e ver o que acontece”, sugeriu o deputado.
A ação foi reconhecida por Glauceli, que entregou ao deputado um Pen Drive com denúncias apuradas por seu pai no Estado de Roraima. João Paulo passou o Pen Drive para o desembargador Gercino Silva. “Meu pai dizia que sabia que estava com uma bala na cabeça e não sabia onde iria parar. Hoje, me sinto na mesma posição por denunciar e pedir justiça. Não sei o que pode me acontecer, mas não tenho medo” disse Glauceli.
A audiência pública foi dividida em duas partes. No segundo momento, a deputada Manoela D´Avila (PCdoB – RS) foi a responsável por conduzir as exposições. Como convidados estavam o capitão Luigi Gustavo Pereira, diretor substitutivo da Força Nacional de segurança Pública do Ministério da Justiça; Ramais de Castro Silveira, secretário executivo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; Paulo Maldos, secretário nacional de articulação social da Secretaria Geral da Presidência da República; e Diógenes Ribeiro, vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

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