domingo, 7 de agosto de 2011

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA COMARCA DE PORTO VELHO PRIMEIRA VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI Vistos etc.




CÍCERO PEREIRA LEITE NETO e CLAUDEMIR GILBERTO RAMOS, qualificados nos autos, foram trazidos para julgamento perante o Tribunal do Júri, como incursos nas penas do artigo 121, § 2º, inciso IV (recurso que impossibilitou a defesa da vítima), combinado com o artigo 29, ambos do Código Penal, por duas vezes, pelas mortes das vítimas Ronaldo de Souza e Rubens Fidelis Miranda, ocorridas no dia 09 de agosto de 1995, na Fazenda Santa Elina, Município de Corumbiara, Comarca de Colorado do Oeste, por ocasião do procedimento de desocupação da invasão havida na referida área rural, bem como incursos, por participação, nos crimes conexos previstos nos artigos 148, 288, parágrafo único e 329, c/c 29, todos do Código Penal, segundo a denúncia, porque entre os meses de julho e agosto de 1995, os acusados, em concurso, privaram da liberdade, mediante cárcere privado, camponeses ocupantes da referida Fazenda, e nos dias em que antecederam a 09 de agosto de 1995, na mesma Fazenda, os acusados associaram-se a um grupo de mais de três pessoas, formando uma quadrilha armada, para o fim de cometer crimes, e ainda, concorreram para que terceiras pessoas, mediante violência real contra policiais militares, resistissem-se à ordem judicial de desocupação da aludida Fazenda. Submetidos a julgamento, decidiu o Egrégio Conselho de Sentença, da seguinte forma: Em relação ao acusado CÍCERO PEREIRA LEITE NETO, os senhores Jurados decidiram que o mesmo concorreu para a prática do homicídio perpetrado contra a pessoa de RONALDO DE SOUZA, negando a qualificadora do uso de recurso que impossibilitou a defesa dessa vítima, bem assim decidiram que esse acusado não cometeu o crime de homicídio que lhe é imputado em relação a vítima RUBENS FIDÉLIS MIRANDA. Quanto aos crimes conexos, o Conselho de Sentença negou que esse acusado tivesse praticado o delito de cárcere privado e quadrilha, afirmando que o mesmo concorreu para a prática do crime de resistência. Em todas as séries reconheceu-se a existência de circunstâncias atenuantes. Quanto ao acusado CLAUDENIR GILBERTO RAMOS, restou decidido que mesmo concorreu para a morte das vítimas Ronaldo de Souza e Rubens Fidélis Miranda, negando a qualificadora do uso de recurso que impossibilitou a defesa das vítimas. No tocante aos crime conexos, os Jurados afirmaram que este réu concorreu para os crimes de cárcere privado e resistência, negando que o mesmo tivesse praticado o delito de quadrilha. Em todas as séries reconheceu-se a existência de circunstâncias atenuantes. Em conclusão, face a essas decisões do Egrégio Conselho de Sentença e fiel a soberania do Egrégio Tribunal Popular, declaro o acusado CÍCERO PEREIRA LEITE NETO, já qualificado nos autos, incurso nas sanções do art. 121, "caput", perpetrado contra a pessoa de RONALDO DE SOUZA e 329, ambos do Código Penal, absolvendo-o das demais acusações que lhe são feitas nos autos, nos moldes do art. 386, IV, do Código de Processo Penal. Quanto ao acusado CLAUDENIR GILBERTO RAMOS, já qualificado, declaro-o incurso nas sanções dos arts. 121, "caput", duas vezes, 148 e 329, todos do Código Penal, absolvendo-o do crime do artigo 288, parágrafo único, do mesmo código, nesta última hipótese com fulcro no artigo 386, inciso IV, do Código de Processo Penal. Passo a individualização das penas dos acusados. Ambos os acusados são primários e não possuem antecedentes registrados nos autos. Assim é que, para o réu CLAUDENIR GILBERTO RAMOS fixo a pena-base em 06 (seis ) anos de reclusão, para cada um dos dois crimes de homicídio. Estabeleço o concurso de crime continuado, por se amoldar as condutas nas hipóteses previstas no art. 71, do Código Penal. Não há agravantes a serem consideradas e por ter fixado a pena base no mínimo legal, desprezo as atenuantes reconhecidas pelos senhores Jurados, dada a impossibilidade de reduzir a pena aquém do mínimo. Aumento a pena-base de um quarto (1/4), equivalente a 01 (um) ano e seis meses, em face de serem dois crimes de homicídio. Torno definitiva a pena em 07 (sete) anos e seis meses de reclusão. Pelos mesmos motivos apontados para a fixação da pena-base dos homicídios, aplico a pena-base do crime conexo de cárcere privado em um ano de reclusão e de resistência em dois meses de detenção, tornando definitiva a pena-base, face a ausência de circunstâncias ou causas modificadoras. Nesses crimes conexos estabeleço o concurso material, inclusive na relação deles com os dois homicídios, devendo ser somadas as penas de cada um dos conexos com aquela definitiva de ambos os homicídios, para efeito de cumprimento, sem perder de vista que a pena de detenção deverá ser cumprida depois da pena de reclusão. Em resumo, condeno CLAUDEMIR GILBERTO RAMOS a pena privativa de liberdade de 08 (oito) anos e seis meses de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, nos termos do art. 33, § 2º, letra "a", do Código Penal e mais dois meses de detenção. No que pertine ao réu CÍCERO PEREIRA LEITE NETO fixo a pena-base em 06 (seis ) anos de reclusão, para o homicídio praticado contra Ronaldo de Souza. Não há agravantes a serem consideradas e por ter fixado a pena base no mínimo legal, desprezo as atenuantes reconhecidas pelos senhores Jurados, dada a impossibilidade de reduzir a pena aquém do mínimo. Pelos mesmos motivos apontados para a fixação da pena-base do homicídio, para o crime conexo de resistência, fixo a pena-base em dois meses de detenção, tornando-a definitiva, face a ausência de circunstâncias ou causas modificadoras. Por derradeiro, condeno CÍCERO PEREIRA LEITE NETO a pena privativa de liberdade de 06 (seis) anos de reclusão e dois meses de detenção, a ser cumprida em regime semi-aberto, nos moldes do art. 33, § 2º, letra "d", do Código Penal, por reconhecer que entre o homicídio e o crime de resistência caracterizou-se o concurso material, ressaltando que a pena de detenção deverá ser cumprida depois da pena de reclusão. Transitada esta em julgado, expeça-se guia de execução e inscreva-se o nome dos réus em julgamento no livro rol dos culpados. Condeno os réus nas custas processuais, na proporção individual de 1/26 (um vinte e seis avos) até a pronúncia e depois dela de 1/14 (um quatorze avos). Faculto aos réus aguardarem o trânsito em julgado em liberdade, uma vez que são reconhecidamente primários, não possuem antecedentes nos autos e não criaram óbices no desenrolar da ação penal, ressaltando-se que prevalece a regra de que aquele aguarda o julgamento em liberdade, assim deve permanecer até o trânsito em julgado. Considerando que o nome do réu é CLAUDEMIR GILBERTO RAMOS e não CLAUDENIR GILBERTO RAMOS, determino que se proceda as anotações de praxe, onde couber. Dou esta decisão publicada em Plenário e as partes por intimadas. Registre-se em livro próprio. Sala Secreta do Primeiro Tribunal do Júri de Porto Velho, às 02:30 horas do dia 26 de agosto de 2000.
Sandra Maria Nascimento de Souza
Juíza Presidente

Há 15 anos, diante do massacre em Corumbiara, CUT já alertava: ‘Sem reforma agrária estas cenas vão se repetir’


Com poucos avanços no período, assassinatos em áreas de conflito mostram urgência de uma intervenção do Estado

Escrito por: William Pedreira

Cartaz da CUT de 1995 pede punição aos culpados


Madrugada do dia 9 de agosto de 1995. Trabalhadores rurais da Fazenda San­ta Elina, em Corumbiara (RO), são surpreendidos e atacados covardemente, por polícias militares a mando de jagunços e pistoleiros, enquanto dormiam. Resultado: dezenas de mortos e desaparecidos. Centenas de feridos. Mais de quinhentos barracos incendiados. Uma população de mais de 1.300 pessoas detidas e depois abandonadas à própria sorte.

Aquele que viria a ser conhecido como o massacre de Corumbiara manchou a história do nosso País. A impunidade e a tentativa de mascarar a chacina jogando a culpa nos trabalhadores só aumentaram o sentimento de perplexidade e revolta.

A Justiça condenou apenas dois camponeses pela morte de dois policiais, e só. Em 2004, a Organiza­ção dos Estados Americanos (OEA) responsabilizou o Brasil pelo massacre e deter­minou pagamento de inde­nização às vítimas, reconhe­cendo que o ato contra os camponeses foi uma ope­ração de guerra em tempos de paz. Até hoje, nenhuma indenização foi paga.


No Informativo da CUT na época, o secretário geral, João Vaccari Neto, relatou o que presenciou ao chegar na região. “Foi uma execução sumária, à queima-roupa e pelas costas. Alguns feridos estavam em estado grave. Os que conseguiram falar, ainda chocados com os acontecimentos, narraram que foram forçados pelos policiais a deitar no chão, em seguida espancados com pedaços de madeira e chutados. Crianças, mulheres e homens. Alguns executados. Uma motosserra foi utilizada como instrumento de tortura. Denunciaram que houve pessoas que tiveram as mãos amputadas e depois degoladas.”
Desde a sua fundação, a CUT sempre lutou por uma reforma agrária massiva, igualitária, com preservação do meio ambiente e que acabasse com a violência no campo. Lembrava o Informativo na época, que a caótica estrutura fundiária do Brasil, essencialmente concentradora de terras nas mãos de poucos, a morosidade da Justiça brasileira diante dos conflitos armados e a sistemática recusa dos sucessivos governos em não realizar uma verdadeira reforma agrária eram (são) as principais responsáveis pela grave situação no campo no Brasil.

“Sem a reforma agrária estas cenas (massacre de Corumbiara) vão se repetir”, alertava o Informativo. E passados 15 anos do massacre o prenuncio relatado pela CUT infelizmente efetivou-se mais uma vez. No mês passado, cinco pessoas foram assassinadas em áreas de conflito de terra no Norte e milhares continuam sendo ameaçadas. Erenilton Pereira, José Cláudio Ribeiro da Silva, o Zé Castanha, Maria do Espírito Santo da Silva, todos em Nova Ipixuna, no Pará. Marcos Gomes da Silva, em Eldorado dos Carajás, também no Pará e Adelino Ramos, o Dinho, em Porto Velho, Rondônia. Este último um dos sobreviventes do massacre de Corumbiara.

Impunidade e injustiça obrigam sobrevivente de Corumbiara a viver na clandestinidade

Há mais de 15 anos Claudemir Gilberto Ramos vive foragido da Justiça e escondido de pistoleiros. Ele é um dos sobreviventes do massacre de Corumbiara e, desde então, se esconde perambulando país afora, sem endereço fixo, trabalho com registro em carteira ou convívio familiar.

Para piorar a situação, seu pai, Adelino Ramos, conhecido como Dinho, foi um dos cinco camponeses morto no mês passado.

Claudemir se considera um “foragido da injustiça”. De forma arbitrária e preconceituosa, foi condenado em 2000 a oito anos e meio de prisão pela morte dos dois policiais militares e por cárcere privado dos sem-terra durante o massacre.

A denúncia do Ministério Público Estadual, que culminou nas condenações, foi fundamentada em investigação da Polícia Civil, que, por sua vez, utilizou como referência apuração conduzida pela Polícia Militar. Em 2004, esgotaram-se os recursos de Claudemir.

É por esta e por outras ações voltadas aos interesses de latifundiários e madeireiros, que a CUT reivindica que o governo federalize todas as investigações e apurações no que tange às mortes e perseguições a lideranças populares.

Relatos aterrorizantes
Falando sobre os momentos de tensão vividos naquele trágico dia, Claudemir lembra que já com os trabalhadores dominados, a polícia deu início a uma série de agressões, torturas e execuções. Os adultos foram amarrados e jogados ao chão, enquanto as crianças eram obrigadas a pisoteá-los. Uma menina que tinha seis ou sete anos recusou-se a fazê-lo e acabou morta.

Com a cabeça ferida por baionetas, Claudemir desmaiou. Segundo seus companheiros lhe relataram, seu corpo fora jogado dentro de um caminhão, onde os mortos estavam depositados, e levado até o necrotério de Colorado do Oeste (RO). Lá, ele teria sido salvo por representantes da Igreja e da CUT que acompanhavam os desdobramentos do massacre.

Transferido para um hospital em Vilhena, Claudemir sustenta que recebeu a visita de dois policiais militares que só não conseguiram ir adiante graças à chegada de uma enfermeira. Na capital Porto Velho, as ameaças constantes forçaram o trabalhador a começar uma vida peregrina.

Ações contra impunidade
A CUT juntamente com outras entidades do movimento social vem cobrando do governo a apuração dos fatos e a punição dos culpados. É evidente que se o governo não intervier novas mortes ocorrerão.

Neste sentido, lideranças da CUT, Contag, Fetagri, MST e CPT se reuniram na última sexta-feira (3) com o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e entregaram a ele documentos com denúncias de mortes, desaparecimentos e ameaças de morte a vários trabalhadores rurais dos Estados do Pará, Rondônia, Amazonas e Tocantins e pediram providências urgentes para acabar com a violência no campo.

O ministro falou sobre as medidas tomadas até agora e disse que a presidenta Dilma não vai admitir que a escalada de violência no campo continue. Para isso, o governo vai colocar em prática ações de curto, médio e longo prazos. Afirmou também que o governo vai trabalhar de forma intensiva para combater a questão da impunidade. Nesta semana – quarta e quinta-feira – o Ministério da Justiça realizará reuniões com governadores, tribunais de justiça e procuradores gerais nos estados.


* Com informações da Rede Brasil Atual