sexta-feira, 9 de setembro de 2011

INFCAR: Anistia aos trabalhadores rurais de Rondônia punid...



CÂMARA DOS DEPUTADOS

PROJETO DE LEI N.º 2.000, DE 2011
(Do Sr. João Paulo Cunha)

Concede anistia aos trabalhadores rurais de Rondônia punidos no episódio conhecido como "Massacre de Corumbiara".



DESPACHO:
ÀS COMISSÕES DE:
AGRICULTURA, PECUÁRIA, ABASTECIMENTO E DESENVOLVIMENTO RURAL E
CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA (MÉRITO E ART. 54, RICD)

APRECIAÇÃO:
Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário


PUBLICAÇÃO INICIAL

Art. 137, caput - RICD



O Congresso Nacional decreta:

Art. 1°. É concedida anistia a todos os trabalhadores rurais de Rondônia punidos de qualquer forma pela participação no episódio denominado “Massacre de Corumbiara”.
Art. 2º. A anistia de que trata esta Lei abrange os crimes definidos no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) e nas Legislações Especiais.
Art. 3°. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.


JUSTIFICAÇÃO


                       
Massacre de Corumbiara, ocorrido em agosto de 1995, no Município de Corumbiara, Estado de Rondônia impôs uma nódoa indelével na história da violação dos direitos humanos e na luta pelo acesso à terra no País, e ainda hoje continha vitimando inocentes e perpetuando as arbitrariedades e injustiças praticadas pelos agentes públicos do Estado brasileiro.

A síntese dessa tragédia nacional nos é apresentada pela Professora Helena Angélica de Mesquita ((MESQUITA, H. A. de. Corumbiara: o massacre dos camponeses. Rondônia/Brasil 1995. Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, vol. VI, nº 119 (41), 2002. [ISSN: 1138-9788] http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-41.htm):

No dia 14 de julho de 1995, em caminhões provenientes de diversos pontos do município de Corumbiara e das estradas próximas, centenas de famílias chegaram à fazenda Santa Elina. Levaram com eles tudo que possuíam, especialmente a grande esperança de conquistar a terra. O local escolhido para o acampamento ficava junto a área comunitária do PA Adriana, apenas separadas por um pequeno riacho. (...).

Entretanto, nos dias 8 e 9 de agosto, a Polícia Militar (PM) montou o seu Comando de Operações (QG) naquele local. A coordenação escolheu a Santa Elina em função de notícias que haviam sido publicadas na imprensa regional, afirmando que a área não estava regularizada, e era em grande parte área improdutiva. Nenhuma notícia da imprensa ou mesmo os autos, ou em qualquer informação dava a extensão correta da Santa Elina. Os números noticiados a respeito da sua dimensão variavam de sete mil a dezesseis mil hectares, mas na realidade ela tem cerca de vinte mil hectares.
Do dia 14 de julho até 8 de agosto a ocupação da fazenda Santa Elina era mais um dos quatrocentos e quarenta conflitos de terra que aconteceram em 1995 no Brasil e um dos quinze que aconteceram só em Rondônia naquele ano.Portanto, pode-se concluir que no dia 14/07/95 estava começando o que foi uma tragédia anunciada: O Massacre de Corumbiara.
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Os caminhões levando os camponeses na madrugada do dia 15 de julho, chegaram até o campo de futebol do PA Adriana. O deslocamento até o local que seria o acampamento foi feito a pé, pois não haviam estradas e a distância era pequena, cerca de um km. Os caminhões chegaram juntos uns dos outros. Os posseiros tinham uma grande preocupação e medo dos jagunços, por isso procuravam estar juntos em grandes grupos. O transporte das poucas coisas que trouxeram como colchões, lonas, comidas, cacaios e outros objetos, foi feito nas costas e em mutirão. Esta atividade durou o resto da madrugada e quando o dia clareou já estava quase tudo depositado, numa pequena clareira que fora aberta ainda durante a madrugada. Quando o dia amanheceu, no dia 15, sábado, as atividades eram intensas, no sentido de transformar aquele pequeno pedaço de mata em um acampamento de sem terras. Todos trabalhavam. Os participantes descreveram a chegada como momento de grande apreensão, pois tinham medo que jagunços aparecessem e frustrassem os seus planos.
Era muito barulho, barulho de motosserras, de picaretas, árvores caindo, foices limpando tudo. Muita gente falando, cantando e gritando, dando ordens, organizando. Todos se preocupavam com as crianças, que eram muitas. Logo pela manhã foram escolhidas algumas pessoas para tomarem conta dos piazinhos, para não deixar que se machucassem ou se perdessem. Alguns homens foram destacados para manter vigilância, especialmente no fundo e no lado direito do acampamento, pois era mata fechada dentro da própria Santa Elina.
Como era área de mata, os barracos foram construídos sob as árvores mais altas porque elas ofereciam sombra e podiam camuflar e esconder a pequena cidade de lona dos constantes vôos de intimidação, realizados pelos fazendeiros e pela própria polícia.
No começo da tarde de sábado foi servido o almoço coletivo, foi uma festa, todos já se sentiam como uma grande família, com direitos e obrigações. Uma comissão já circulava com um caderno de anotações onde cadastravam todas as pessoas que estavam no acampamento e anotavam os nomes dos que chegavam.
Os homens começaram a derrubada para fazer uma roça comunitária, onde seria plantado arroz, milho, feijão e mandioca. Os posseiros derrubaram a mata em volta do acampamento para fazer a roça, mas isso acabou facilitando a agressão e dificultando a fuga pela mata, pois assim que a derrubada foi incendiada durante o ataque ao acampamento, aquela rota de fuga foi prejudicada.
Na tarde do dia 15 de julho mais de cinqüenta barracos já estavam montados. À medida que o tempo passava, mais barracos iam sendo construídos, pois mais gente ia chegando. No dia 8 de agosto eram cento e cinqüenta e quatro barracos. Tinha barraco que abrigava mais de uma família, e os solteiros também ficaram em barracas com até cinco pessoas.
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Enquanto os posseiros organizavam o seu acampamento,os fazendeiros já agiam. Especialmente Antenor Duarte do Valle, proprietário de grandes latifúndios, pressionava a justiça e a polícia. O processo de reintegração de posse foi sumário. Alguns fazendeiros, vizinhos da Santa Elina, obtiveram na justiça, liminar de Interdito Proibitório. Vale dizer que estas fazendas deveriam então, ter guarda da PM e se elas fossem invadidas por sem-terra, a reintegração de posse seria sumária. A liminar de reintegração de posse da Santa Elina também foi sumária, três dias depois da ocupação já existia liminar de manutenção de posse e no mesmo dia a PM já estava na área para fazer cumprir a mesma.
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O juiz substituto de Colorado do Oeste, Roberto Gil de Oliveira emitiu a liminar de manutenção de posse no dia 18 e no mesmo dia envia ofício determinando escolta policial para fazer cumprir a liminar, ou seja, para acompanhar o oficial de justiça que deveria ir até o acampamento dar ciência da liminar aos posseiros. Em seu depoimento no júri, o comandante da operação, o major Ventura explicou que recebeu o mandato de reintegração de posse em 19/07 e designou um tenente para acompanhar o oficial de justiça que iria cumprir o mandato, mas segundo o Major Ventura o Cap. Mena Mendes se ofereceu para a missão, e o capitão Mena Mendes diz que se ofereceu porque o Major Ventura tinha designado um aspirante para a missão. Essa afirmação do capitão Mena Mendes foi desmentida pelo presidente do Inquérito Policial Militar (IPM), coronel Balbi, pois na ocasião não havia aspirantes na corporação. O Major Ventura, quando soube do que aconteceu no dia 19 de julho no acampamento, ou seja, a tentativa frustrada de cumprir o mandato, afirmou que protelou ao máximo o cumprimento da determinação judicial, porém recebeu pressões do juiz, do poder executivo, via comando geral da polícia militar, do fazendeiro e de advogados, chegando ao ponto de ser alertado de que seria processado por desobediência caso não desse cumprimento àquela ordem. As palavras do major contêm as provas das pressões que os fazendeiros e políticos fizeram sobre todos.
Na quarta feira de manhã, dia 19 de julho, começou o pesadelo para os acampados da Santa Elina. Em cima do morro estouraram três foguetes alertando e avisando que tinha problemas. Era um aviso que havia polícia por perto. Todos ficaram alertas e se reuniram rapidamente na parte da frente do acampamento. Por volta das 9 horas da manhã lá estava o capitão Mena Mendes com trinta e cinco policiais acompanhando o oficial de justiça, no acampamento dos posseiros. Os posseiros... não permitiram a entrada deles no mesmo. Eles já traziam duas pessoas presas, uma mulher que saíra para trabalhar, e o secretário do STR de Corumbiara.
Os posseiros fizeram muito barulho, muitos gritos, músicas e palavras de ordem, em seguida, fizeram silêncio e o oficial de justiça leu o mandato de manutenção de posse com voz trêmula.
Neste dia, os posseiros resistiram, e como eram em número muito maior gritaram e garantiram sua permanência na área. Houve inclusive um confronto e um posseiro levou um tiro de revólver calibre 38, pelas costas.
Depois dessa visita os camponeses fizeram uma assembléia e comemoraram a primeira batalha vencida, naquilo que seria uma guerra. No dia 20/07 o mesmo juiz substituto envia outro ofício requisitando reforço policial para o cumprimento da liminar, mas o juiz recomenda ponderação e cautela.
Quando o juiz titular, Glodner Luiz Pauletto reassumiu seu cargo encaminhou ofício ao comando geral da PM em Porto Velho reiterando os ofícios anteriores, o primeiro dirigido ao comando de Colorado do Oeste e o segundo dirigido ao próprio capitão Mena Mendes. O ofício foi expedido em 01/08 e recebido no mesmo dia pelo comandante geral da PM no Estado coronel Wellington Luiz de Barros Silva em Porto Velho. Nessa data a Companhia de Operações Especiais (COE) já estava se preparando para ir à Corumbiara.
Enquanto os fazendeiros articulavam tudo para varrer os posseiros do local, os mesmos recebiam apoio dos vizinhos, de alguns políticos, especialmente o vereador Manuel Ribeiro, o Nelinho, do Partido dos Trabalhadores e o suplente de vereador Sebastião Sobrinho, do presidente da Assembléia, do deputado Daniel Pereira e do Sindicato dos Trabalhadores de Corumbiara (STR).
O vereador Nelinho se movimentava no sentido de colocar a questão nos noticiários como forma de chamar a atenção para a gravidade da situação, e acreditava que assim poderia sensibilizar a sociedade para a causa dos camponeses. Para Nelinho seria também uma forma de proteger os sem terra. O que Nelinho mais temia era a ação dos jagunços. Nessa altura dos acontecimentos a ocupação já era notícia nos jornais regionais e nacionais.
Na reunião da Câmara de Vereadores de Corumbiara, no dia primeiro de agosto, Nelinho comentou sobre a comissão de negociações a qual acompanhava, cobrou providências das autoridades no sentido de evitar uma tragédia. O vereador tinha esperança que a liminar fosse suspensa até que a comissão pudesse fazer alguma coisa.Mas a força do latifúndio se impôs mais uma vez. O latifúndio fazia pressões sobre juiz, polícia, e o próprio governador. A Sociedade Rural, braço da União Democrática Ruralista (UDR), pressionava o governador exigindo o cumprimento da liminar e exigindo que o comandante da polícia de Vilhena fosse preso por omissão porque protelava o despejo.

(...). Muitos foram omissos.
A correlação de forças era brutalmente desfavorável para os posseiros. Os opositores dos camponeses puderam agir em todos os sentidos. No plano jurídico, pressionando juízes, conseguindo liminar em tempo recorde e ofícios que circularam céleres, colocando as notícias nos jornais e nos demais meios de comunicação sempre a seu favor e desqualificando os camponeses. No plano econômico, foi também muito forte a influência dos fazendeiros, pagando transporte para a tropa, fornecendo alimentação, fornecendo veículos, infiltrando jagunços junto às tropas e emprestando avião e piloto para a PM sobrevoar a área do acampamentoNa verdade, ficou caracterizado que o massacre foi uma empreitada particular, financiada por particulares, onde a polícia estava a serviço de fazendeiros e até certo modo sob o "comando" dos mesmos. Antenor Duarte foi visto no QG da PM e seu capataz José Paulo Monteiro estava tão à vontade naquele lugar, que tirou o posseiro Sérgio  dentre os presos, jogou-o dentro de uma Toyota e nenhum policial, oficial, subcomandante ou o comandante, "viu". Os camponeses viram e denunciaram mas suas vozes foram caladas.
Ficaram poucos dias na área, mas o acampamento estava organizado, com as diversas comissões encarregadas de tarefas que proporcionavam o melhor andamento possível da vida no mesmo. No dia 08/09, a imprensa de Vilhena registrou as condições do acampamento e a movimentação dos camponeses com a chegada da polícia.
O acampamento dos posseiros era vigiado por pessoas da Santa Elina que informavam ao capitão Mena Mendes sobre os passos dos posseiros. O PM Walter de Souza informou que no dia 8/08 o capitão Mena Mendes, esteve na residência do caseiro da Santa Elina, e nesse mesmo dia ele fez reconhecimento da área do perímetro do acampamento.
Os posseiros ficaram no acampamento somente vinte e quatro dias. Foram momentos muito marcantes para todos. Momentos de tensão e medo quando o acampamento era sobrevoado por aviões. Muito medo quando da primeira tentativa de evacuar a área. Mas estes momentos eram intercalados com outros de confraternização e muita esperança. A esperança e até uma certa dose de otimismo surgiu, durante a visita da comissão de negociação, e depois da saída da mesma.
As conversas foram animadoras e cheias de esperança com a possibilidade de intervenção daquelas autoridades, para resolver o problema e no mínimo suspender, ainda que temporariamente, a execução da liminar de manutenção de posse.
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No dia 08 de agosto, chega em frente ao acampamento o Comandante Ventura e a imprensa de Vilhena. Há uma conversa amistosa entre o comando da PM e os representantes dos posseiros, testemunhada pela imprensa. Depois da conversa com o Major Comandante, os posseiros comemoraram, pois pensaram que tinham vencido mais uma batalha. O que eles não sabiam era que seus opositores estavam ali preparados para fazer uma guerra, uma guerra contra mulheres, crianças, jovens e velhos. Suas armas de defesa e caça eram dois revólveres, um calibre 38 e outro 22 e espingardas velhas que usavam para a caça, e as ferramentas de trabalho, inclusive motosserras, emprestadas por quem queria ajudar.
Em contrapartida as armas da PM, somente de policiais do 3o Batalhão de Polícia Militar (BPM), foram: cento e setenta e cinco revólveres calibre 38; doze escopetas de calibre 12; cinco metralhadoras de 9mm; quatro pistolas; cinco mosquetes calibre 7,32; e cinco carabinas. Isso sem contar as armas da COE, dos PM que estavam de férias e estavam a serviço do fazendeiro, e ainda as armas e munições dos jagunços e da chamada PM2. Somente parte das armas da PM foram periciadas e só três provas de balística foram positivas. As três balas eram de revólveres de PM e foram encontrados nos corpos de Hercílio e José Marconde, posseiros que foram executados sumariamente como atestam os laudos tanatoscópicos.
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Na madrugada do dia 09/08 o acampamento da Santa Elina foi cercado por todos os lados e começou o que foi o massacre de Corumbiara.
Os posseiros foram pegos de surpresa, pois era noite escura e eles estavam desmobilizados.
Os posseiros foram acordados com bombas de gás lacrimogênio que a todos sufocavam, tiroteio por longas horas com armas muito pesadas, mulheres foram usadas como escudo humano pelos policiais e por jagunços.Segundo relatos um grande número de jagunços, alguns vestidos como policiais entraram infiltrados no meio das tropas e muitos homens estavam encapuzadosO acampamento foi totalmente destruído e depois incendiado. Não sobrou nada do que os camponeses haviam levado para começar o que seria uma vida nova. Tudo se transformou em pesadelo.
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Os homens que não morreram ou não conseguiram fugir pela mata foram presos e obrigados a se deitarem no chão com o rosto na lama e policiais e jagunços pisavam sobre eles e os espancavam com chutes em todas as partes do corpo e davam pauladas em qualquer um que ousasse levantar a cabeça. Depois foram amarrados com cordas e arrastados até o QG da PM, no campo de futebol do PA Adriana, ..... Os homens ficaram por longas horas, sem água, sem comida, apanhando e sofrendo todo tipo de humilhações. As mulheres e as crianças também ficaram presas em cima de caminhões por longas horas sob um sol escaldante passando fome e sede. Os posseiros foram presos, mortos e torturados e o acampamento foi completamente destruído. (...) “  (grifos meus)

                        Como resultado do massacre, o Poder Judiciário do Estado de Rondônia levou a julgamento e condenou, injustamente, por homicídio, os trabalhadores rurais Claudemir Gilberto Ramos e Cícero Pereira Leite Neto, tendo absolvido a quase totalidade dos policiais militares que participaram e foram os verdadeiros responsáveis pelo Massacre de vários trabalhadores (homens, mulheres e crianças indefesos).

Ou o Brasil acaba com os sem-terras ou os sem-terras acabam com o Brasil”, “Se eu fosse soldado na hora em que entrei na área e fui recebido com moto-serra, eu não tinha dúvida: era ele ou eu “ (Frase dita aos Jurados pelo Promotor de Justiça Tarcísio Leite Matos, ao postular a Absolvição dos Policiais Militares José Hélio Cysmeiros Pachá e Mauro Ronaldo Flores Corrêa (exatamente os Tenentes que comandaram a execução de 03 posseiros com mais de 19 tiros na cabeça e pelas costas), durante o julgamento pelo Plenário do Tribunal do Júri de Porto Velho (RO) em 2000, no chamado “Massacre de Corumbiara”.

                        A frase pronunciada pelo Promotor de Justiça e destacada acima demonstra de forma cabal e peremptória toda a parcialidade da investigação e da condução do processo criminal e, substancialmente, a forma lamentável, como agiram as autoridades policiais, o Ministério Público e o Judiciário do Estado, no caso concreto.
                        Com efeito, não houve ao longo das mais de 10.000 (dez mil) páginas que informam os autos judiciais nenhuma preocupação em se chegar à verdade real, de trazer à baila a realidade dos fatos e a forma como efetivamente ocorreram as ações deletérias adotadas pelos Policiais Militares e por alguns particulares no massacre aos posseiros.

                        Enquanto a sociedade clamava por uma investigação séria e profunda, optou-se pela superficialidade e pela incoerência de uma determinada versão, extraída das mentes de uns poucos iluminados policiais civis e militares e adotadas como verdade absoluta e imutável, ao mesmo tempo em que eram desprezados todos os testemunhos de posseiros, todos os indícios e, substancialmente, a fartura de provas que borbulhavam na superfície dos autos.

Enquanto as vítimas, ou seja, os posseiros esperavam a punição dos responsáveis pelas barbáries cometidas, preferiu-se o comodismo da indicação de alguns “bodes expiatórios” como brindes pelo “árduo trabalho de investigação policial, do Ministério Público e do Poder Judiciário”.

E para que os poderosos que ordenaram e comandaram o massacre não ficassem incomodados, ofertou-se a cabeça dos 02 trabalhadores rurais efetivamente condenados (Claudemir Gilberto Ramos e Cícero Pereira Leite Neto), apenas como exemplo de que a luta pela afirmação de determinado direito social não pode cruzar os caminhos ou interferir nos desígnios do poder econômico.

                        Os trabalhadores rurais injustamente condenados não tiveram êxito nos Recursos manejados em nenhumas das instâncias do Poder Judiciário brasileiro, somente encontrado amparo na Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA, que através do Relatório nº 32/04 – Caso 11.556 – Corumbiara – Brasil, Aprovado pela Comissão em sua sessão nº 1620, de 11 de março de 2004, reconheceu a omissão e as violações de direitos humanos de responsabilidade do Estado Brasileiro na investigação e punição dos verdadeiros responsáveis pelo massacre e determinou a adoção de uma série de providências ainda não adotadas a termo pelo Estado Brasileiro.

                        Nesse sentido, o seguinte trecho do relatório:
                     “(...)
                     VI. CONCLUSÕES.
                     305. Com base nas considerações de fato é de direito expostas anteriormente, a Comissão Interamericana reitera sua conclusão em relação a que o Estado brasileiro é responsável pela violação do direito à vida, à integridade pessoal, à proteção judicial e a garantias judiciais, consagrados nos artigos 4, 5, 25 e 8, respectivamente, da Convenção Americana, em detrimento dos trabalhadores sem terra identificados neste relatório, em virtude das execuções extrajudiciais, lesões à integridade pessoal e violações da obrigação de investigar, do direito a um recurso efetivo e das garantias judiciais, cometidas em prejuízo daqueles. A Comissão também determina que o Estado violou seu dever de adotar disposições de direito interno, nos termos no artigo 2 da Convenção Americana, deixando também de cumprir a obrigação que lhe impõe o artigo 1.1 de respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção. A CIDH conclui também que o Estado brasileiro violou os artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. (...)”.

                        Como um prenúncio das consequências das omissões do Estado brasileiro neste episódio, que jamais foi enfrentada na perspectiva indicada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, informa-se que mais uma vítima da luta no campo foi contabilizada na triste estatística da violência que grassa livremente em diversos Estados e Regiões do País.

Com efeito, uma das vítimas sobreviventes do Massacre de Corumbiara e Líder do Movimento Camponês Corumbiara, o trabalhador rural Adelino Ramos, que é pai de um dos trabalhadores injustamente condenado no episódio de que trata esse projeto de lei (Claudemir Gilberto Ramos), foi assassinado no último dia 27 de maio de 2011, no Município de Vista Alegre de Abunã (RO), por um pistoleiro já identificado e conhecido na região e que, sabidamente trabalha por encomenda dos que não admitem a organização, as lutas, as denúncias e as reivindicações dos trabalhadores que atuam na região.

Trata-se de um crime que veicula um duro recado aos trabalhadores rurais da região e de resto, de todo o País, no sentido de que o “Massacre de Corumbiara” não foi suficiente para eliminar todas as lideranças e focos de resistência daqueles que visualizam um País mais justo e solidário, nos termos do Artigo 3º da Constituição Federal, de modo que os focos de resistência dos trabalhadores devem ser eliminados.

                        Como se observa, para além de enfrentar de forma acerba a violência que vem sendo desencadeada contra trabalhadores e lideranças rurais, o Estado brasileiro tem um compromisso inadiável de reparar, através dos meios judiciais e materiais disponíveis, todas as violações que foram perpetradas contra os trabalhadores rurais em Corumbiara.

Assim, a anistia aos trabalhadores condenados é apenas uma parte dessa reparação que deverá ser buscada e exaurida pelo País.

                        É com esse espírito que apresento o vertente projeto de lei, para o qual espero ao apoio de meus pares.


Sala das Sessões, em 10 de agosto de 2011.

João Paulo Cunha
Deputado Federal PT/SP


LEGISLAÇÃO CITADA ANEXADA PELA
COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS - CEDI

 DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940


Código Penal.


O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta a seguinte lei:

CÓDIGO PENAL

PARTE GERAL

TÍTULO I
DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL

Anterioridade da Lei
Art. 1º Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. (Artigo com redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)

Lei penal no tempo
Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. (Artigo com redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)

Lei excepcional ou temporária
Art. 3º A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência. (Artigo com redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)

Tempo do crime
Art. 4º Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. (Artigo com redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)
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FIM DO DOCUMENTO



Coordenação de Comissões Permanentes - DECOM - P_3575
CONFERE COM O ORIGINAL AUTENTICADO
PL-2000/2011