Com a febre do desenvolvimento se espalhando pelo Brasil, parece que está aberta a temporada de caça, não só à Floresta Amazônica, como também às pessoas que tentam protegê-la.
Numa visita recente ao Rio de Janeiro, estive como convidado em um almoço oferecido por Israel Klabin, industrial brasileiro que é um importante ambientalista (também é amigo meu). Klabin tem uma longa carreira de serviço público, incluindo períodos como prefeito do Rio de Janeiro e organizador da Cúpula da Terra de 1992. Como presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, está agora envolvido ativamente nas preparações da Cúpula da Terra Rio+20, programada para junho de 2012. Klabin estava decepcionado com as mudanças propostas para o Código Florestal, que a Câmara aprovou no mês passado (a votação foi 410 a 63). Um consórcio de grupos do agronegócio, assim como o Partido Comunista do Brasil, haviam feito lobby pesado pela lei. Klabin a caracterizou como uma “catástrofe” ambiental.
A lei propõe, entre outras coisas, anistia oficial à destruição florestal anterior a 2008, relaxamento nas restrições ao corte de madeira e a concessão de maior autoridade aos Estados brasileiros para o estabelecimento de metas de conservação. Klabin estava esperançoso de que algumas das medidas da lei pudessem ser emendadas no Senado, onde ela será debatida na sequência. No entanto, é prevista a sua aprovação. Enquanto isso, a mera expectativa da aprovação parece ter inspirado uma atitude “vamos que vamos” entre fazendeiros, latifundiários e madeireiros na Amazônia. Em março e abril, ocorreu um aumento de 500% na queima de matas e desmatamento em relação ao mesmo período do ano passado.
A nova presidenta brasileira, Dilma Rousseff, uma tecnocrata desenvolvimentista que assumiu o governo no dia 1º de janeiro, terá a última palavra. Até agora, ela tem dito que se oporia à medida de anistia da lei, apesar de as outras serem potencialmente até mais calamitosas (num email enviado esta semana, Klabin escreveu: “o potencial completo das novas regras poderia ir de 17 a 28 bilhões de toneladas de emissão de CO2, dependendo dos cenários. O impacto seria tremendo.”).
A julgar pelas atuais tendências políticas, os preservacionistas brasileiros devem se preparar para uma dura batalha. No dia 1º de junho, apenas uma semana depois da votação da lei, o governo de Dilma Rousseff aprovou o projeto da Hidrelétrica de Belo Monte. O projeto, de três anos e US$ 17 bilhões, envolve a construção de uma megabarragem no Rio Xingu, um dos principais afluentes do Rio Amazonas e um dos grandes rios selvagens da América do Sul. Quando estiver completa, em 2015, Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo, inundando cerca de 120 mil hectares de floresta equatorial no Estado do Pará, incluindo parte da morada tradicional dos índios caiapó. A construção da barragem foi detida durante décadas pela oposição de ambientalistas, dos próprios caiapó e de outros grupos indígenas. Os defensores de Belo Monte argumentam que somente 20 mil pessoas serão afetadas e que elas serão compensadas financeiramente. Belo Monte, dizem eles, é necessária para salvaguardar a “soberania nacional” do Brasil, fornecendo suficiente energia para atender as demandas de uma economia em expansão, que cresceu, no ano passado, a uma taxa de 7,5%.
Com a febre do desenvolvimento se espalhando pelo Brasil, parece que está aberta a temporada de caça, não só à Floresta Amazônica, como também às pessoas que tentam protegê-la. Em 24 de maio, dia em que se debatia a nova lei, chegou a notícia de que dois assassinos de motocicleta haviam emboscado e matado José Cláudio Ribeiro da Silva, ativista ambiental, e sua esposa Maria. Naquele estilo típico das execuções contratadas, os assassinos deram a Zé Cláudio, como ele era conhecido, e a Maria, os tiros de misericórdia na cabeça e cortaram uma orelha de cada um. Zé Cláudio era um opositor firme e carismático dos latifundiários grileiros e dos queimadores de carvão. Em novembro do ano passado, em um discurso feito num colóquio TEDx em Manaus, ele disse que estava recebendo ameaças de morte. Quando um parlamentar anunciou a notícia dos assassinatos na Câmara e pediu uma investigação, uma rodada de vaias irrompeu das galerias de ruralistas do agronegócio.
Três dias depois, em Rondônia, Adelino Ramos, outro importante ativista ambiental, foi assassinado na frente de sua mulher e de seus filhos. No dia seguinte, a alguns quilômetros de onde Zé Cláudio e Maria haviam sido mortos, um jovem chamado Eremilton Pereira dos Santos foi assassinado, em estilo execução. Seus parentes disseram que ele pode ter presenciado a morte de Zé Cláudio. No dia 9 de junho, no mais recente desses incidentes, outro ativista camponês foi assassinado no Pará.
“Tudo isto é parte do mesmo triste padrão”, me disse, em um email, Scott Wallace, autor de um livro ainda no prelo, Os Inconquistados, sobre as últimas tribos não contactadas da Amazônia.
“O assassinato está no mesmo registro de muitos outros que já aconteceram na Amazônia, e no Estado do Pará em particular, nos últimos vinte anos. Você tem criminosos descarados grilando terra pública, cortando árvores, desmatando, como se fosse deles … Se não são prefeitos, vereadores ou deputados, são amigos íntimos daqueles, e contribuem generosamente para suas campanhas eleitorais … Raramente se processam esses crimes. É por isso que parte tão grande da devastação da floresta avança de mãos dadas com a ausência da lei.”
Em 2005, a freira Dorothy Stang, natural de Ohio, defensora da conservação da floresta, também foi assassinada no Pará, outra morte contratada por madeireiros e latifundiários locais. A Comissão Pastoral da Terra anunciou que Zé Cláudio, Maria e Adelino Ramos estavam, todos eles, na lista de ativistas em perigo. A CPT disse também que mais 125 militantes eram alvos potenciais de assassinato. Alguns dias atrás, depois de uma série de reuniões ministeriais de emergência, o governo federal enviou uma unidade de 60 policiais de elite ao Pará para proteger alguns dos ativistas ameaçados. Mas o Pará é conhecido no Brasil como “estado sem lei”, por sua falta de investigação de crimes. Das centenas de homicídios registrados no Estado, pouquíssimos acusados já foram apreendidos.
O jornalista brasileiro Felipe Milanez, que era amigo de Zé Cláudio e de sua esposa Maria e que tem pesquisado a busca policial no caso dos seus assassinatos, me escreveu para dizer que um latifundiário local é um foco de investigação da polícia. “Esperamos que façam seu trabalho”, ele disse. “Mas não sabemos se o farão.”
Outro amigo brasileiro, José Júnior, fundador da ong AfroReggae, com sede em uma favela, esteve recentemente no Pará. Por coincidência, ele tinha se programado para entrevistar Zé Cláudio no dia de seu assassinato, e participou do velório de Eremilton Pereira dos Santos alguns dias depois. Júnior, que se criou em uma das favelas mais violentas do Rio, escreveu: “Nunca havia estado num velório como aquele na minha vida. As pessoas tinham medo de chorar”.
Tradução: Idelber Avelar.
Publicado originalmente no The New Yorker e retirado do site da Revista Fórum.
(Revista Fórum)
Nenhum comentário:
Postar um comentário